Os desafios das comunidades indígenas da periferia sul de São Paulo

A Fundação ABH escolheu atuar na periferia sul de São Paulo por diversos motivos, dentre eles por enxergar uma variedade imensa de riquezas naturais e pessoais na região, como a diversidade de comunidades indígenas que abrigam diferentes etnias e perpetuam diferentes raízes culturais e que vivem em áreas urbanas e rurais da periferia sul da capital paulista.

Grande parte da população indígena presente em São Paulo é proveniente do Nordeste, como os Pankararu, os Fulni-ô, os Pankararé, os Atikum, os Kariri-Xocó, os Xucuru, os Potiguara e os Pataxó.

O Nordeste foi uma das regiões onde os povos indígenas sofreram a maior perda e redução de seus territórios tradicionais. Na região que vai de Minas Gerais ao Ceará, 42 povos indígenas ocupam cerca de 70 terras tradicionais. Apenas 10% delas estão regularizadas. Tais territórios estão localizados, em sua maioria, em região de semiárido, com problemas de seca e devastação. Muitos povos que conseguem regularizar um pedaço de terra depois de lutar 20, 30 anos chegam a encontrá-lo totalmente devastado e degradado.

Além dos povos indígenas do Nordeste, encontramos vivendo em São Paulo membros dos povos Terena (vindos do Mato Grosso do Sul), Xavante (do Mato Grosso) e Kaingang (da região centro-oeste de São Paulo). Até o momento, ainda não há um levantamento do total de etnias presentes na Grande São Paulo, mas é bem provável que haja a presença de indígenas de outras etnias e regiões, além das citadas acima.

Famílias inteiras deixam suas terras de origem e vem tentar a sorte em São Paulo por conta principalmente da contínua perda de seus territórios tradicionais, os conflitos com posseiros, a falta de trabalho e a escassez de terras produtivas e, em São Paulo, também têm enfrentado dificuldades estruturais que colocam em risco a sua sobrevivência.

A maior parte dos indígenas que vivem na Grande São Paulo mora em casas de aluguel ou favelas. Muitos estão desempregados e dependem de atividades no trabalho informal para sua sobrevivência. Mas também há aqueles que vivem em terras demarcadas. No município de São Paulo encontram-se três terras indígenas Guarani: Jaraguá, Krukutu e Tenondé Porã, sendo as duas últimas na periferia sul de São Paulo.

O programa Índios na Cidade, da ONG Opção Brasil, identificou a presença de, pelo menos, 72 etnias na capital paulista.

Foto: Carlos Penteado

Os desafios dos povos indígenas na cidade de São Paulo

Dados do Censo de 2010 do IBGE apontam que a população indígena brasileira corresponde a, pelo menos, 817,9 mil pessoas. No Estado de São Paulo, são cerca de 41.794 indígenas, representando 5% do população indígena e constituindo-se na terceira maior população indígena do país, sendo a etnia Guarani o maior povo indígena do estado, que tem lutado arduamente pela manutenção da sua identidade étnica e a retomada de seus territórios, aldeia e aldeamentos, seguidos pelos Mby´a e Tupi.

Já na capital paulista eles representam aproximadamente 12.977 indígenas, destes 11.918 vivem na zona urbana do município de São Paulo e 1.059 habitam a zona rural. Sua presença na região de maior desenvolvimento econômico do País os coloca em situação de vulnerabilidade, à medida que estão cada vez mais limitados a diminutos territórios, os quais, em muitos casos, mostram-se insuficientes para garantir sua sobrevivência física e cultural.

Grande parte de suas terras não foi regularizada ou encontra-se regularizada com pendências. E muitas sofrem os impactos da crescente urbanização, dos grandes projetos e dos empreendimentos de turismo.

Essa realidade gera um cenário de insegurança alimentar e afeta a autonomia dos povos indígenas. Mesmo os povos com terras já regularizadas enfrentam dificuldades para promoção da sua soberania alimentar. Garantir uma alimentação adequada e saudável em terras que não apresentam plenas condições para sobrevivência física e cultural é o dilema enfrentado pela maioria das aldeias. 

Na Terra Indígena Jaraguá, na Zona Norte da capital, 700 pessoas vivem em área inferior a dois campos oficiais de futebol, sob pressão constante pela diminuição de seu território. Como é possível se viver com dignidade e qualidade nessas condições?

Também há dificuldades com relação ao direito à terra. Em 2021, por exemplo, indígenas da aldeia Kuaray Oua, na terra indígena Tenondé Porã em Parelheiros, periferia sul de São Paulo, denunciaram que estavam recebendo ameaças de não indígenas que alegaram ter comprado um terreno na região e estariam coagindo a população indígena a deixar a área, que é demarcada, portanto de domínio do povo indígena que vive ali. Deste modo, a compra e venda é proibida.

Mesmo em áreas demarcadas, a população indígena enfrenta os mesmos problemas encontrados nas periferias como falta de emprego, baixo acesso à rede de esgoto e a internet, violência, condições precárias de moradia, falta de assistência à saúde e necessidades básicas.

Além desses aspectos, os indígenas também encaram questões específicas de seus povos como a invisibilidade social, descaso do poder público, ausência de espaços coletivos para que as tribos possam realizar suas manifestações culturais, etc.

Para tentar melhorar algumas destas questões e garantir a sobrevivência de seu povo, os indígenas somaram esforços e passaram a atuar em diversas vertentes, como a produção de artesanato e turismo.

Algumas comunidades indígenas do município de São Paulo, como a Yrexakã, são muito procuradas para atividades de ecoturismo e turismo de aventura, que incluem percorrer trilhas que ligam diferentes aldeias e até passeio de barco nas aldeias que ficam às margens das represas.

São ações que servem não apenas como outra alternativa de trazer renda à comunidade, mas também de partilhar sua cultura com a sociedade. Mas nem sempre são suficientes para suprir as necessidades das aldeias, que constantemente fazem arrecadação de alimentos, roupas, produtos de higiene e outros itens de necessidades básicas.

Festas, tradições e identidade

Apesar do preconceito que enfrentam, muitos dos povos originários que vivem em São Paulo não escondem sua identidade indígena. Ao contrário, estão cada vez mais reafirmando sua identidade, organizando-se e lutando por seus direitos. Os Pankararu são um ótimo exemplo.

Mesmo na cidade conseguem manter algumas de suas festas e cerimônias tradicionais, como o Toré. Utilizam as vestimentas típicas que trouxeram da Aldeia Brejo dos Padres, em Pernambuco.

Há outros rituais, como Flechada do Umbu, Menino do Rancho, Festa do Cansanção – para redenção perante os caboclos e os encantados, que não têm manifestações em São Paulo pela falta de espaço físico apropriado.

Por meio de apresentações para o público em geral, divulgam um pouco de sua cultura. Como explica Bino Pankararu:

“Aqui em São Paulo nós fazemos assim: às vezes alguém chega e convida a gente para fazer uma apresentação na escola, na igreja, a gente acerta um valor e vai. Inclusive em setembro nós fizemos uma apresentação aqui no Ibirapuera. A gente foi lá com um parente Xavante. Eles fizeram um evento lá. Tinham oito etnias de cada lugar. Muita gente acha que a nossa dança aqui tem diferença com a da aldeia. Mas não tem, é uma dança só, entendeu?… Foram quatro dias seguidos. Foi maravilhoso, só via o pessoal achar bonita a nossa cultura. Se abre um espacinho desse tamanho, já dá para matar um pouco da saudade. E as pessoas de fora que gostam de ver a coisa bem feitinha ficam emocionadas. Porque ou você se arrepia de medo ou de emoção”.

Os Kariri-Xocó também fazem apresentações e palestras em escolas, com o intuito de gerar renda e de divulgar um pouco da cultura de seu povo.

O desejo dos Pankararu, dos Pankararé, dos Kariri-Xocó e dos Fulni-ô que residem em São Paulo é ter um espaço próprio, onde possam encontrar seus parentes e realizar suas festas, cerimônias e rituais.

Destacamos a seguir comunidades e associações indígenas na periferia sul de São Paulo que precisam da nossa ajuda para continuarem sua luta pelo desenvolvimento comunitário das terras indígenas.

Terra Indígena Tenondé Porã

A Terra Indígena Tenondé Porã, demarcada em 2016 e localizada em Parelheiros, no extremo sul da cidade de São Paulo, compreende 7 aldeias que dividem uma Terra Indígena com uma extensão de aproximadamente 15.969 hectares onde habitam aproximadamente 2.200 pessoas.

A Terra Indígena Tenondé Porã é aberta a visitação e oferece diversas atividades para quem deseja viver uma experiência imersiva na aldeia, como exposição e venda de artesanato produzido pelos indígenas, participação em brincadeiras e jogos guaranis, explorar uma trilha próxima à aldeia, assistir a apresentação do coral de crianças da região, apreciação de comida tradicional, palestra sobre a cultura guarani e muito mais.

Os Pankararu

Os Pankararu tem origem no sertão de Pernambuco, onde ainda vivem divididos em duas áreas paralelas: a Terra Indígena Pankararu e a Terra Indígena Entre Serras, que juntas somam pouco mais de 14.000 hectares demarcados.

A comunidade Pankararu também encontrou abrigo na região metropolitana de São Paulo, que conta com pelo 2.000 indígenas de acordo com os cadastros realizados na Associação S.O.S Pankararu, mas há ainda aqueles que não estão registrados na organização.

O antropólogo Marcos Albuquerque relata a história da vinda dos Pankararu para São Paulo:

“Em São Paulo os primeiros Pankararu que chegaram não tinham instrução formal e tornaram-se trabalhadores braçais. A maioria trabalhava nas equipes de desmatamento da Cia. De Luz do Estado para onde eram agenciados por ”gatos” que iam buscá-los na própria aldeia para entregá-los em lotes ao empreiteiro das obras (Arruti, 1999: 267).

Uma boa parte dos Pankararu trabalhou na construção do estádio de futebol Cícero Pompeu de Toledo (o Estádio do Morumbi). Próximo ao local dos alojamentos, alguns trabalhadores começaram a se apossar de partes do terreno às margens do rio Pinheiros que eram de utilidade pública, “sobras” do loteamento do bairro e destinadas à construção de benfeitorias públicas que nunca chegaram a termo, formando assim uma “favela”, inicialmente chamada de – favela da “mandioca” e posteriormente com o nome do bairro, “favela do Real Parque”.

Foi nesse contexto que grande número de Pankararu acabou construindo um endereço fixo em São Paulo o que possibilitou a vinda de parentes formando, assim, uma migração constante para São Paulo, normalmente intercalada entre grandes períodos de trabalho em São Paulo e breves retornos à aldeia em Pernambuco” (Albuquerque, 2011: 24-25).

Os Pankararu no Real Parque somam 170 famílias e estão organizados na Associação Indígena SOS Comunidade Pankararu. Como fruto de sua organização, os Pankararu conseguiram a sua inclusão, em 2000, no programa de verticalização de favelas da Prefeitura de São Paulo que reservou duas unidades habitacionais exclusivamente para os indígenas, beneficiando 25 famílias. Segundo a líder Dora Pankararu, no entanto, o programa habitacional foi insuficiente, uma vez que atendeu um pequeno número de famílias. Dora lembra também que não foi construído nem um centro cultural, nem um local sede para a associação SOS Pankararu.

Outra conquista importante foi a criação, em 2006, de uma unidade do Programa de Saúde da Família (PSF) voltada à população indígena do Real Parque que é chamada, pelos indígenas de “PSF – Pankararu” (Chiquetto, 2012). A unidade é formada por dois auxiliares de enfermagem, dois agentes indígenas, uma enfermeira e um médico e está situada na Unidade Básica de Saúde (UBS) que atende a todos os moradores do Real Parque.

Associação S.O.S Pankararu

A Associação Indígena S.O.S Comunidade Indígena Pankararu foi fundada em 1994, na cidade de São Paulo, e atua na defesa dos Direitos Humanos dos povos indígenas, atuando na mediação e participação da negociação política dos interesses do grupo, que faz o possível para ajudar as 180 famílias Pankararu que vivem na periferia sul de São Paulo.

A organização foi uma das responsáveis por implantar o Programa de Saúde da Família Indígena (PSFI), na UBS Real Parque, com o objetivo de facilitar o acesso às carteiras de identificação de indígenas emitidas pela FUNAI (Fundação Nacional Indígena).

A Associação Indígena S.O.S Pankararu realiza diversas atividades culturais para promover a cultura indígena, além de maior acesso às políticas públicas voltadas à conquista de melhores condições de moradia, saúde e educação aos povos indígenas.

Entretanto, de acordo com Ivone Pankararu, a associação tem enfrentado dificuldades financeiras para se manter, mas segue desenvolvendo o seu trabalho da forma como é possível, arrecadando roupas, alimentos, produtos de higiene, entre outras coisas. A própria Ivone divulga sua arte no Instagram: @ivonepankararu.

Projeto Pindorama

O Projeto Pindorama foi criado em 2001 pela Associação Indígena S.O.S Comunidade Indígena Pankararu em parceria com a PUC-SP e tem como principal objetivo ampliar o acesso dos indígenas à universidade.

Ao longo dos quase 23 anos de realização do Projeto Pindorama, mais de 200 alunos de 16 etnias passaram pelo programa e foram contemplados com bolsas de estudos universitários, além do apoio psicológico e financeiro que os participantes recebem ao longo do processo.

De acordo com uma das coordenadoras do Projeto Pindorama, Daniela Reis, e 103 estudantes já se formaram, mas este número deve aumentar em breve, já que alguns estudantes estão concluindo sua graduação.

O programa conta com apoio de outras entidades, como a Pastoral Indigenista e CIMI, que ajuda com despesas eventuais de alunos com transportes, fotocópias, livros, entre outros materiais, além de colaborar com a realização da Retomada Indígena, evento realizado ao longo de uma semana com o objetivo de promover a cultura indígena.

O Projeto Pindorama tem ainda o auxílio do PAC (Programa de Atendimento Comunitário), que contribuiu com a bolsa-alimentação destinada aos alunos, bem como orientação psicológica em casos específicos, e do Núcleo de Gênero, Raça e Etnia, do Curso de Serviço Social.

A periferia sul de São Paulo é um dos principais locais do Brasil no qual os povos originários encontraram abrigo e um espaço para manterem vivas suas raízes e cultura.

Já pensou em conhecer pessoalmente uma das comunidades indígenas da zona sul da capital paulista? Fica nossa sugestão para que possa compreender a realidade que enfrentam e buscar formas de ajudá-los a manterem vivas a sua cultura e tradição!

Abaixo compartilhamos alguns links que, em nossas pesquisas, nos pareceram interessantes: