Como gerar impacto social através da economia criativa?

A Economia Criativa tem dominado a economia global. O setor movimentou bilhões de reais nos últimos anos ao estabelecer a relação entre tecnologia,  inovação, cultura, criatividade e sustentabilidade com o intuito de desenvolver produtos e soluções inovadoras para diversos públicos e objetivos.

Esse conceito é explorado no e-book Inclusão Produtiva, desenvolvido pelo GT de Inclusão Produtiva do PerifaSul 2050, que pesquisou e estudou o tema sob a ótica da periferia.

Ao longo deste artigo, abordaremos os conceitos, características, desafios e potencialidades da economia criativa, bem como buscaremos compreender de que modo é possível gerar impacto social através da economia criativa nas periferias.

Como gerar impacto na periferia através da economia criativa? 

A economia criativa se alimenta de talentos criativos, que se organizam de modo individual ou em grupo, para criarem e produzirem bens e serviços criativos que se destinam a variados públicos e objetivos. Mas como esse conceito se aplica às periferias?

Quando inserimos o conceito de economia criativa nas periferias brasileiras, estamos falando de profissionais de diversas áreas que conhecemos e até consumimos seus serviços e criações, como artesãos, cantores de hip hop, cabeleireiros, costureiras e muitos outros.

O trabalho desses micro e pequenos empreendedores é um dos principais motores do desenvolvimento comunitário local, movimentando a economia do território, gerando empregos, oportunidades e impacto.

Mas de que maneira esse impacto acontece? Euller Alves afirma que o impacto existe integralmente o tempo todo e que, qualquer ação que seja feita nas periferias, automaticamente gera diferentes tipos de impacto.

"Os impactos social, cultural e financeiro estão presentes em todas as nossas atividades mesmo que essa atividade não tenha um pagamento de cachê. As pessoas se juntam para apreciar, para contribuir com esse fazer e isso faz gerar esse impacto".

Entretanto, o produtor cultural destaca que esse impacto pode ser maior se esse “fazer” for “um pouco mais robusto, mais caudaloso”, ou seja, se mobilizarmos a maior quantidade de recursos possíveis, sejam eles humanos ou financeiros. Ele cita como exemplo a Noite dos Tambores, festival de música instrumental percussiva que acontece na periferia sul de São Paulo.

"É uma atividade que tem investimento financeiro de vários parceiros, editais, mas é uma atividade que também tem um investimento da economia criativa local, dos grupos e coletivos locais, que fazem por saber que essa atividade gera um impacto grande", explicou Euller.

A Diretora Operacional e Coordenadora Pedagógica da A Banca e da ANIP (Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia), Fabiana Ivo, acrescenta ainda que gerar impacto na periferia é um processo em rede que atinge cada vez mais pessoas conforme se propaga no território.

“A gente fala que impacto na periferia é o desenvolvimento de um para um, não é chegar a um milhão, mas é chegar a um, que ali transforma a vida de cinco, que ali transforma a vida de 20”.

A abrangência na economia criativa na sociedade

A análise proposta por Euller Alves traz uma perspectiva da economia criativa no campo cultural e artístico, mas é claro que o setor é amplo e abrange outros segmentos, como eventos, mercado editorial, gastronomia, tecnologia e muitos outros empreendimentos e negócios que movimentam e mantêm viva a história das periferias brasileiras.

Na periferia sul de São Paulo, temos inúmeros empreendimentos e atividades que se encaixam nos exemplos citados acima. No campo de eventos podemos citar a PerifaCon, primeira convenção nerd da região que surgiu com o objetivo de falar sobre quadrinhos, desenhos, filmes e cultura nerd, geek e pop nas quebradas da capital paulista.

Além de um grande evento que fortalece os escritores e autores da periferia, a FELIZS (Feira Literária da Zona Sul) reúne outros artistas de diversas áreas, que se juntam em espaços culturais para divulgarem seus trabalhos, refletirem, discutirem e celebrarem a arte na comunidade.

Na gastronomia temos o exemplo do TrançAmor Cozinha, iniciativa que prepara e doa marmitas de comida orgânica para os moradores da periferia e pessoas em situação de rua, além de oferecer formação em gastronomia social e culinária afetiva para pessoas do território.

No campo tecnológico, temos os aplicativos que ganharam força com a popularização dos smartphones; surgiram para facilitar a vida da população em geral e que se tornaram comuns no nosso dia-a-dia, como o iFood, que revolucionou o delivery de alimentos e bebidas; a Netflix, que nos possibilita consumir produções audiovisuais de forma diferente, e o Uber, que apresentou uma alternativa para quem quer se locomover pela cidade com conforto.

Ainda no campo dos aplicativos, temos o Akiposso+, criado pela sul africana Priya Patel, com o objetivo de promover soluções de inclusão social para combater a desigualdade nas periferias e favelas de São Paulo, oferecendo acesso a banco de alimentos, oportunidades de emprego e cursos de diversas áreas em parceria com o Sebrae.

Portanto, a economia criativa, somada às inúmeras possibilidades oferecidas pela tecnologia e pela mobilização humana, tem mudado o mercado de forma surpreendente, já que hoje em dia possui recursos capazes de criar e oferecer soluções inovadoras para problemas que ainda nem foram criados. Mas ainda existem muitos desafios que precisam ser superados e muitas potencialidades para serem exploradas.

Desafios e potencialidades da economia criativa na periferia

Muitos empreendimentos, negócios sociais, eventos e atividades acabam minguando, não se desenvolvendo ou não conseguindo atingir um número maior de pessoas em decorrência de uma série de percalços no meio do caminho que, por vezes, acabam se sobressaindo às potencialidades do setor. 

Nas periferias as dificuldades são ainda mais profundas, estruturais e encontram muitas barreiras no campo das políticas públicas. 

“A maior dificuldade de empreender hoje na periferia é o acesso ao crédito, um crédito humanizado, com tempo, com paciência para poder fazer com que esse empreendedor aprenda a lidar com esse recurso, mas também aprenda a crescer e tenha a compreensão dos acompanhamentos necessários para esse período”, disse Fabiana Ivo.

Para Fabiana, existe ainda uma desigualdade no acesso a formações que compreendam as necessidades e realidades dos empreendedores periféricos.

"Gerar impacto é atravessar os campos e as barreiras de formação, considerar que o empreendedor de periferia e o empreendedor social de periferia não teve acesso a tantas questões tecnicistas ou de cunho universitário, como outros tantos têm”.

Já Euller Alves traz exemplos de sua vivência na área artística e cultural para exemplificar os obstáculos que os governantes impõem aos profissionais da área.

"Hoje, esse desafio é absolutamente político. A dimensão cultural é transformadora, ela é dinâmica, ágil, adaptável, mas a conjuntura política é cruel, desafiadora, para nós negros da periferia ela é mortal, é uma política mortal, porque a gente faz a nossa produção cultural pensado no nosso prazer, no nosso divertimento, na nossa arte”, afirmou Alves.

O articulador cultural explicou que, embora as políticas públicas existam, elas no fundo trabalham ainda para impedir a realização mais plena e mais promissora da produção periférica, especialmente a artística e cultural. 

“As políticas culturais são capazes de estabelecer critérios burocráticos mais rígidos para que a gente não possa ter acesso, elas são capazes de estabelecer um cachê irrisório para a simples sobrevivência. Nossa luta é uma luta pela manutenção do nosso fazer cultural, mas também é uma luta pela manutenção das poucas conquistas das políticas culturais e sociais que conseguimos nos últimos anos”, disse o produtor cultural.

Euller acrescenta ainda que apesar dos desafios, a comunidade mantém viva seus empreendimentos, atividades e eventos, mas busca investimentos que venham de fora para dentro do território.

“A economia criativa existe aqui com aqueles recursos simbólicos sociais e financeiros, mas a gente busca recursos financeiros e capital de fora para dentro, e as políticas têm a capacidade de fazer esse impedimento”, concluiu Alves.

Em contrapartida, a economia criativa possui muitas potencialidades observadas e listadas no e-book Inclusão Produtiva (2022, p. 21), obra desenvolvida pelo GT de Inclusão Produtiva.

  • A ampla gama de ideias, processos e empreendimentos que podem utilizar a criatividade e capital social para criação de produtos e serviços; 
  • Estímulo a projetos que tenham ações direcionadas para atender a ODSs e Impacto Social Positivo;
  • É um setor que mesmo durante a crise pandêmica se manteve em crescimento e forte reconhecimento; 
  • Ter a economia criativa como transformadora das dinâmicas culturais, políticas, econômicas e tecnológicas; 
  • Difusão dos processos colaborativos e rede.

Ainda de acordo com a publicação do GT de Inclusão Produtiva, a potência da criatividade de todos os trabalhadores, consumidores e empreendedores é um dos principais motores da criação e geração de produtos, serviços e soluções inovadoras e é essencial para o aumento da competitividade dos negócios que têm dominado a economia global.

Segundo um levantamento da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) publicado neste ano, só no Brasil, o setor superou o desempenho geral da economia brasileira em quase todos os anos deste século e desde 2020 representa 2,9% do PIB nacional, movimentando R$ 217,4 bilhões.

O futuro da economia criativa nas periferias

A Economia Criativa é não só o futuro, mas também o presente dos empreendimentos e negócios sociais, pois proporciona formas diferentes de fazermos coisas que estamos habituados em nosso dia-a-dia, que muda os hábitos e facilita a vida de quem consome, gera lucros para quem cria e produz e transforma a realidade de todos.

Entretanto, Fabiana Ivo, destacou pontos essenciais e que precisam ser observados a longo prazo e melhorados para tornar cada vez mais atrativo e promissor o futuro do setor

"Primeiro a compreensão do setor, é algo bem novo na periferia, pouca formação de fato chega aqui sobre, para aqueles que já estão inseridos é a ampliação do circuito, ampliação do entendimento de investimento, de acesso, de mobilidade nesta cidade e em todo o país e o acesso a crédito com equidade".

A Fundação ABH trabalha em prol da identificação, valorização e conexão dos ativos e recursos locais em prol dos avanços da periferia sul de São Paulo, bem como acredita e investe no potencial criativo dos talentos que existem no território e na utilização de conhecimento, tecnologia e criatividade para gerar renda, otimizar recursos em benefício de todos e promover o desenvolvimento comunitário local.

Conheça e apoie a Fundação ABH para que continuemos a promover e fomentar os empreendimentos e talentos criativos do território.