Mobilidade Urbana: os desafios da periferia sul de São Paulo

A desigualdade social atinge a cidade de São Paulo em diversos aspectos, entre eles a mobilidade urbana, que se refere a forma como os habitantes se locomovem dentro da metrópole mais populosa do Brasil.

Sabemos que quanto menor a renda maiores as chances de se viver em áreas mais afastadas e menos assistidas pelo poder público. Consequentemente, maior será o tempo e piores serão as condições de deslocamento, o que torna mais difícil o acesso aos serviços públicos e as oportunidades que costumam se concentrar nas regiões mais centrais da cidade.

Segundo mapeamento realizado pelo Instituto Escolhas, um morador de Parelheiros gasta, em média, 1h40 e mais ou menos R$ 14,39 para se deslocar até o centro da cidade utilizando transporte público. Já quem vive em Moema leva 40 minutos e paga cerca de R$ 6,07 em transporte coletivo para ir ao centro.

De acordo com a pesquisa Viver em São Paulo: Mobilidade Urbana, realizada pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope Inteligência, 47% dos paulistanos gastam até 2 horas em todos os seus deslocamentos diários, 26% levam mais de 2 horas, 18% não precisam ou não saem de casa e 9% não sabem ou não responderam.

Os moradores da região sul da capital paulista são os que gastam mais tempo para seus deslocamentos; possuem o maior tempo médio para chegarem ao local da sua atividade principal, por volta de 1h52.

A produtora audiovisual Caroline Patez mora em Varginha, no distrito do Grajaú, e trabalha na Vila Madalena. Para chegar ao seu local de trabalho, Caroline caminha até o Terminal Varginha, lá toma um ônibus que a leva até a estação de trem mais próxima, a do Grajaú, parte da Linha 9-Esmeralda da CPTM, que fica a 5 km do seu ponto de partida.

A partir daí, ela conta que tem duas opções de caminho para percorrer os 30 km que separam sua casa de seu destino. “Se eu não quiser gastar duas vezes menos dinheiro com condução, vou de metrô, daí levo mais ou menos 1h40. Também tenho a opção de ir até metade do caminho de trem e fazer o resto do trajeto de Uber, aí levo mais ou menos 1h10.”

Caroline Patez é uma entre os milhares de brasileiros e brasileiras que enfrentam desafios diários de mobilidade urbana para realizar suas atividades e prover o sustento do seu lar.

 

 

Mobilidade urbana e os desafios do transporte público

O estudo da Rede Nossa São Paulo identificou que 63% dos paulistanos utilizam o transporte público para se locomover pela cidade, sendo o ônibus municipal (47%) o mais acessado, seguido do metrô (12%) e dos trens (5%).

Além disso, 30% das pessoas que utilizam o transporte público pertencem às classes D e E – que possuem renda familiar mensal de até 2 salários mínimos – e são os que mais enfrentam dificuldades para percorrer o município. 

Segundo Genesio da Silva, membro da coordenação da associação SOS Transportes M’Boi Mirim, a população paulistana enfrenta muitos empecilhos para conseguir acessar o transporte público e relata que alguns lugares da periferia sul de São Paulo não possuem linhas de ônibus suficientes para atender aos moradores locais.

“Não temos um transporte público de qualidade aqui no fundão da Estrada do M’Boi Mirim no distrito do Jardim Ângela, só temos uma empresa que atua com número de ônibus reduzido que anda com a sua lotação máxima de passageiros”, conta Genesio.

Ele reclama ainda da falta de higiene dos coletivos e da desassistência do poder público para resolver os problemas que impactam diariamente a vida do cidadão paulistano, sobretudo daqueles que vivem nas regiões periféricas, onde a precariedade e a desigualdade vão além dos meios de transporte.

“Pagamos caro na passagem, R$ 4,40 atualmente, para não termos o mínimo de conforto”, ressalta.

A executiva de contas Nathalia Silva Souza, que mora em Vargem Grande, no distrito de Parelheiros, leva cerca de 1h40 para chegar ao seu local de trabalho na Av. Luis Carlos Berrini. Para chegar à estação de trem, ela toma um ônibus até a estação Grajaú da CPTM e segue de trem até a estação Berrini, um trajeto de cerca de 25 km. Nathalia reitera as dificuldades mencionadas por Genesio e relata as dificuldades que ela e outros milhares de passageiros enfrentam no dia a dia apenas para utilizar a rede municipal de ônibus.

“Mesmo na pandemia, os ônibus seguem cheios porque muitas pessoas de outros bairros utilizam essa linha de ônibus devido ao extenso trajeto. Há também demora no intervalo de chegada entre um ônibus e outro, ocorrendo atrasos”, afirma a jovem.

Genesio diz que, para amenizar as demandas dos moradores da região do Jardim Ângela, algumas soluções são a duplicação da Estrada do M’Boi Mirim, principal via do local, e a extensão da Linha Lilás do Metrô até o Jardim Ângela.

Vale lembrar que, segundo dados da Prefeitura de São Paulo, a frota da cidade compreende 15 mil ônibus divididos em 1.314 linhas que operam em cerca de 4,5 mil km de malha viária e transportam quase 3 bilhões de passageiros por ano. 

Já o sistema de trem metropolitano de São Paulo possui 74,3 km de linhas ferroviárias e transporta quase 900 mil pessoas por ano. E a CPTM possui 90 estações que cobrem 260,8 km de extensão e transportam cerca de 700 milhões de passageiros por mês. 

 

As bicicletas são o futuro da mobilidade urbana?

Dentre as soluções primárias apresentadas por Genesio da Silva para resolver ou diminuir os problemas de mobilidade urbana que atingem a periferia sul de São Paulo, está a criação de mais ciclovias na região.

Para se ter ideia, o M’Boi Mirim é o quinto bairro com menos quilômetros de ciclovias, atualmente tem cerca de 2,4 km de extensão, um diferença estratosférica se compararmos com os 39 km de ciclovias do Butantã, na zona oeste da capital.

De acordo com dados da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET-SP), o M’Boi Mirim só perde para Cidade Ademar, também na zona sul, e Jaçanã/Tremembé, zona norte, que possuem apenas 1,1 km de ciclovias, seguidos de Cidade Tiradentes e Itaim Paulista, ambos na zona leste, com 2 e 2,4 km de ciclovias, respectivamente.

Atualmente, a rede cicloviária da capital paulista possui cerca de 681 km e estima-se que 1,6 milhão de bicicletas rodam pela cidade. Entretanto, a pesquisa Viver em São Paulo: Mobilidade Urbana aponta que apenas 2% dos paulistanos utilizam a bicicleta como meio de transporte e revela que a criação de ciclovias não é o maior empecilho para que os não usuários de bicicleta comecem a utilizá-la para circular pelo município.

Dentre os munícipes entrevistados, 25% dizem que não utilizariam a bicicleta como transporte. Por outro lado, existem potenciais usuários que pedem algumas mudanças para que pedalar se torne um hábito em seu dia a dia. 32% dos entrevistados afirmam que pedalariam pela cidade caso houvesse mais segurança, 18% pedem a construção de mais ciclovias, 17% ressaltam a falta de sinalização nas vias e outros 17% dizem que se locomoveriam de bicicleta caso existissem menos subidas, ladeiras e se a cidade fosse mais plana. 

Essas mudanças, algumas relativamente simples de serem implementadas, mudariam pouco a pouco a rotina do paulistano e da cidade, já que utilizar a bicicleta como meio de transporte tem grandes vantagens como, por exemplo, não polui o meio ambiente, é financeiramente mais econômico, promove a atividade física e ocupa menos espaço nas vias.

 

Mobilidade urbana: o mundo ideal

A mobilidade não se trata apenas da quantidade e qualidade do transporte público, mas trata também da manutenção e acessibilidade dos meios de transporte, ruas, estradas e vias de acesso através das quais o cidadão se locomove, de modo que se deslocar de um lugar para o outro seja equitativo, confortável e seguro para todos, desde a criança até a pessoa com deficiência.

As pessoas com deficiência (PCD) representam 7,29% de toda a população do estado de São Paulo, cerca de 3 milhões de pessoas, e sofrem tanto com ruas e calçadas sem rampas ou em situação precária, quanto com transportes que ou não têm suporte para PCD ou os ignoram nos pontos de ônibus, por exemplo.

Pensando no desenvolvimento da mobilidade urbana a nível mundial, o Institute for Transportation and Development Policy (ITDP) desenvolveu o relatório Our Cities Ourselves: 10 Principles for Transport in Urban Life, uma série de 10 princípios considerados fundamentais para um planejamento urbano mais inteligente e eficaz:

  1. Andar a pé: para isso é preciso garantir espaços seguros, de qualidade, sem barreiras e riscos aos pedestres, sobretudo para a população idosa;
  2. Não-poluentes: a poluição do ar afeta tanto os pedestres, quanto motoristas e passageiros de transportes particulares e/ou coletivos, para reduzir esse quadro é necessário investir e incentivar o uso de transportes não-poluentes, como as bicicletas;
  3. Transporte público: para atender a grande demanda populacional é necessário aumentar o número de linhas e oferecer veículos que sejam confortáveis para passageiros e motoristas façam uma viagem com qualidade e eficácia;
  4. Controle de tráfego: o relatório aponta criação de restrições a carros em locais de grande circulação de pedestres como uma alternativa de controle de tráfego, mas, em se tratando do Brasil, a duplicação de vias, aumento das linhas férreas, extensão do metrô e dos corredores de ônibus podem ser uma alternativa para dar suporte e reduzir tanto o tráfego de automóveis, quanto o de pessoas;
  5. Serviços delivery: promover as entregas desse tipo de serviço da forma mais segura e limpa possível;
  6. Integração: a publicação ressalta a importância de integrar pessoas e construções, possibilitando o acesso do cidadão ao lazer, trabalho e outras atividades em espaços próximos de sua residência;
  7. Preencher espaços: preencher espaços vazios, como casas abandonadas e terrenos baldios é uma alternativa para facilitar a integração mencionada no item anterior, de modo que a população possa realizar algumas atividades a pé, por exemplo;
  8. Preservação dos bens: o relatório destaca que é fundamental preservar as belezas naturais, ambientes e a diversidade sociocultural da cidade;
  9. Diminuir distâncias: conectar lugares criando caminhos diretos e livres entre diferentes localidades, reduzindo tempo e facilitando a vida da população;
  10. Durabilidade: utilizar materiais de qualidade e investir na manutenção de bens e serviços públicos da cidade, oferecendo o melhor para o cidadão.

 

PerifaSul 2050: mobilidade urbana na periferia

A mobilidade urbana é um dos pontos abordados no PerifaSul 2050, projeto idealizado pela Fundação ABH, que teve início em fevereiro de 2021 e debate com atores locais assuntos relevantes e necessários para o desenvolvimento comunitário das periferias paulistanas.

Dentro da temática, as pautas debatidas corroboram com os apontamentos de Genesio, Caroline e Nathalia:

  • Criação de novas ciclovias;
  • Criação de mais rampas de acesso as vias e serviços públicos para os idosos e deficientes físicos;
  • Apoio à projetos de mobilidade urbana;
  • Criação de campanhas pela volta do bilhete estudante com liberdade para ir a eventos na cidade;
  • Volta do bilhete único para idosos.