Desmistificando a cultura de doação no Brasil

Você já deve ter lido, assistido ou escutado diversos mitos acerca da cultura de doação. Ideias e crenças distorcidas de que o brasileiro não tem o hábito de doar ou de que doar é um mau negócio. Neste artigo vamos te ajudar a desmistificar dois mitos e mostrar que o Brasil é um país de doadores, mas que ainda tem muito espaço para melhorar.

Mito 1: O brasileiro não tem o hábito de doar

Existe uma pesquisa chamada The World Giving Index, produzida pela Charities Aid Foundation (CAF), que traz o ranking dos países mais solidários do mundo. A última publicação, de julho de 2021, apontou o Brasil na 54ª posição entre os 114 países do índice. O país subiu 14 posições em relação aos dados de 2018 e 20 posições se comparado a posição média dos últimos 10 anos.

Este salto ocorreu durante a pandemia do novo coronavírus onde a sociedade entendeu que, para enfrentarmos um problema social, a participação cidadã efetiva é fundamental. Especificamente com a COVID-19, a forma mais rápida e efetiva de contribuir se deu pela cultura de doação. O debate sobre a importância das doações foi ampliado e, consequentemente, houve mais contribuições.

A pesquisa da CAF já entrevistou mais de 1,6 milhão de pessoas ao redor do mundo. Ela avalia o índice de generosidade dos países fazendo três perguntas aos entrevistados: você ajudou um estranho, doou dinheiro a uma organização social ou fez algum tipo de trabalho voluntário no mês passado?  

Neste sentido, 63% dos brasileiros entrevistados responderam que ajudaram uma pessoa desconhecida em 2020. Já aqueles que fizeram doações em dinheiro a uma organização social somaram apenas 26%. Da mesma forma, 15% dos entrevistados disseram ter atuado de forma voluntária em prol de alguma causa.

No entanto, se comparado aos números da Indonésia, país mais generoso do mundo segundo o ranking de 2021, a cultura de doação no Brasil tem potencial para ir além. Isso porque 65% dos indonésios entrevistados disseram ter ajudado um estranho, 83% responderam que já doaram dinheiro a uma organização social e 60% realizaram trabalho voluntário.

Contudo, é certo afirmar que o Brasil é um país solidário, que preza pela ajuda humanitária e que também é atuante frente ao voluntariado nacional e no exterior, ou seja, pratica a generosidade. Mas, ao mesmo tempo, do ponto de vista das doações financeiras às Organizações da Sociedade Civil (OSCs), ainda há espaço para o brasileiro avançar e muito. 

Mito 2: Doar é um “mau negócio”

A perpetuação do mito de que doar é um “mau negócio” está relacionada à desinformação e à ausência de incentivo. Quando um brasileiro doa dinheiro ou parte do seu tempo a uma OSC (Organização da Sociedade Civil), ele está exercendo a cidadania e estimulando a filantropia em outras pessoas.

Mas, o que muitos não sabem é que no caso de pessoa física que opta pelo modelo completo de tributação do Imposto de Renda (IR), a legislação brasileira permite que até 6% do “imposto devido” seja convertido em doação na entrega da declaração. No entanto, como somente OSCs que têm seus trabalhos voltados para esporte, cultura, idoso ou criança e adolescente podem se inscrever para receber esses recursos e, além disso devem preencher vários critérios, somente um pequeno percentual de OSCs no Brasil se enquadram e, consequentemente, não é toda doação que pode ser abatida do imposto devido.

Por outro lado, as empresas privadas também podem doar até 1% do IR a ser pago e contribuir com projetos em andamento, mas as limitações de escolha são as mesmas de pessoas físicas. Além disso, estudos apontam que a relação de credibilidade e engajamento entre marca e cliente aumenta quando a empresa é percebida como filantropa.

Portanto, a cultura da doação nunca será um mau negócio, ao contrário. As OSCs surgiram justamente para cobrir a falta de políticas públicas e, segundo a Pesquisa Doação Brasil 2020, a doação é vista como importante e transformadora. Mais de 80% da sociedade acredita que o ato de doar faz diferença, sendo uma importante forma de participação cidadã. Nesse sentido, as doações, que representam 56% dos recursos que as OSCs utilizam para seu funcionamento, são fundamentais para a existência e continuação de projetos sociais em territórios periféricos.

É importante pensar como a sociedade pode se mobilizar em prol de melhorar a participação e atuação social. Segundo o artigo Perspectivas Para Filantropia no Brasil 2022, elaborado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), algumas empresas passaram a contribuir mais com a cultura de doação durante a pandemia. Isso aconteceu pela pressão de investidores e da própria sociedade. A questão é se a pandemia trouxe uma contribuição pontual de doadores ou se eles puderam perceber o quanto essas contribuições fortalecem e ajudam a avançar a pauta de causas sociais e se, mesmo após a pandemia, as doações continuarão.

Desse modo, pode-se pensar que nunca é tarde para empresas que hasteiam a bandeira da filantropia aumentarem o investimento social privado. Focar em melhorar as políticas públicas por meio da cultura de doação às OSCs é, também, impactar positivamente pessoas e apontar caminhos para um futuro melhor. Fundações Comunitárias, como é o caso da Fundação ABH que atua na periferia sul da cidade de São Paulo, são uma excelente oportunidade para doadores de contribuírem para o desenvolvimento de uma região, ao invés de contribuir apenas com uma organização. Conheça mais sobre o tema Fundações Comunitárias neste artigo, escrito por Marina Fay, Diretora Executiva da Fundação ABH e Paula Fabiani, CEO do IDIS.