Fundações Comunitárias: Definição, princípios e valores

Com este texto a Fundação ABH estreia a série Institutos e Fundações Comunitárias (IFC). Ao longo de quatro partes, vamos discorrer sobre o conceito de fundação comunitária, o papel dessas instituições na sociedade, características que definem uma IFC, os desafios que enfrentam para sobreviver no Brasil e o percurso da Fundação ABH para se tornar uma fundação comunitária.

Na primeira parte da série, vamos compreender o que de fato é uma IFC, a diferença entre Organizações Não-Governamentais e IFCs, além de conhecer como operam, os valores e os princípios que caracterizam organizações que possuem esta forma de atuar.

O que é uma Fundação Comunitária?

De acordo com a publicação desenvolvida em parceria entre a Fundação ABH e o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), o conceito de Fundação Comunitária surgiu nos Estados Unidos, em 1914, como uma solução para a dificuldade que os bancos encontravam em satisfazer o desejo de seus clientes de doar parte de seus recursos para organizações filantrópicas em testamento, pois não havia regras específicas para isso.

A alternativa encontrada pelas instituições bancárias se popularizou pelo país e logo foi parar em outros continentes, inclusive aqui na América do Sul. O Community Foundation Atlas aponta que existem mais de 1.800 Fundações Comunitárias espalhadas pelo mundo que juntas movimentam mais de USD 5 bilhões por ano. No Brasil, formalmente há apenas três.

Qual é o papel de uma Fundação Comunitária?

Uma fundação comunitária carrega em seu processo de atuação três funções básicas:

  1. Grantmaker (doador), ou seja, a organização faz doações que são revertidas em ações no território; 
  2. É uma ponte entre indivíduos, empresas ou outras organizações que queiram investir socialmente em uma área geográfica específica e as iniciativas que atuam no território; 
  3. Representa a voz da comunidade, fomentanndo programas e iniciativas que desenvolvem ações em prol de suprir necessidades e atender as demandas locais.

Essas linhas se desdobram em outros pontos que tem o objetivo comum de deixar mais fortes e resilientes as comunidades em que as fundações comunitárias atuam, isto é, preparadas para lidar com as adversidades e capacitadas para organizar e responder às necessidades e aspirações da população local.

A seguir, podemos observar na tabela do IDIS algumas das atividades que derivam das três funções básicas de uma fundação ou instituto comunitário:

Reprodução/IDIS

Reprodução/IDIS

Como opera um Instituto ou Fundação Comunitária?

Um instituto ou fundação comunitária atua como uma espécie de ponte conectando diferentes pontos que objetivam desenvolver o território em que atuam.

A fundação comunitária faz um diagnóstico de prioridades e potencialidades da área geográfica em que atuam, produzem conhecimento, fomentam a cultura de doação, entre outras ações que resultam no impacto sistêmico no território.

Abaixo, trazemos o infográfico do IDIS para compreendermos de que maneira os institutos e fundações comunitárias operam nas comunidades em que estão inseridas:

Reprodução/IDIS

Reprodução/IDIS

Qual a diferença entre ONGs e IFCs?

Ao longo do texto você deve ter se perguntado qual a diferença entre uma Organização Não-Governamental (ONG) e um Instituto ou Fundação Comunitária.

As ONGs são classificadas juridicamente em 2 grupos:

Associações – podem ser institutos, associações, ONGs ou ter outros nomes, além de:

  • possuir proprietários ou sócios;
  • não precisar de patrimônio/capital financeiro para ser criada;
  • seu objetivo principal não precisa ser necessariamente de cunho moral, religioso, assistencial ou cultural;
  • a fiscalização ser feita pelos associados;

Fundações – obrigatoriamente devem ter a palavra fundação no nome além de:

  • ser uma instituição patrimonial autônoma, mas sem proprietários ou sócios;
  • nascer com um capital financeiro, seja por meio de doações de fundadores;
  • necessariamente precisa ter como objetivo de cunho moral, religioso, assistencial ou cultural;
  • ter como representante legal um instituidor que direciona as ações da entidade;
  • ser constituída por meio de escritura pública;
  • é fiscalizada pelo Ministério Público (MP).

Independentemente da constituição jurídica ser fundação ou associação, geralmente executam projetos próprios, são focadas em uma temática e representam seus próprios interesses ou de uma empresa à qual estão associadas.

Já os Institutos ou Fundações Comunitárias são focadas em um território, por exemplo um bairro, distrito, cidade ou até região e, dentro dessa localidade são multitemáticas, trabalhando em prol do desenvolvimento comunitário local. Elas têm membros da comunidade em seus processos decisórios e representam os interesses da localidade em que atuam. Além disso, geralmente por terem recursos, oferecem apoio financeiro, dentre outros, para que as associações continuem o seu trabalho.

 

Quais princípios e valores caracterizam uma Fundação Comunitária?

Princípios que caracterizam uma Fundação Comunitária

Fomenta e capacita iniciativas do território

A primeira característica de uma fundação comunitária é que ela não executa projetos, mas fomenta financeiramente e tecnicamente iniciativas no território em que atuam para que estas promovam a transformação local.

A Fundação ABH, por exemplo, oferece recursos financeiros e capacitação técnica para iniciativas formais e informais da periferia sul de São Paulo, estejam elas em fase inicial ou avançada, desde que efetivamente contribuam com o desenvolvimento local e atuem em rede.

Diálogo horizontal

Outro ponto importante que define uma fundação comunitária é a comunicação horizontal, onde todos os núcleos conversam de igual para igual e, através de suas vivências e recursos, constroem conexões, capacidade e confiança dentro do território.

Através do PerifaSul 2050, a Fundação ABH e seus parceiros do território ouviram os moradores da zona sul de São Paulo a fim de compreender as temáticas sociais que para eles mereçam ser trabalhadas com prioridade até 2050. A partir daí, a organização iniciou uma série de oficinas para traçar mapas e planejar ações que contribuam para superar os obstáculos que atrasam o desenvolvimento local.

Conecta os agentes da mudança

Em seu processo de trabalho, as fundações comunitárias acabam assumindo o papel de ponte, conectando diversos atores de dentro e fora da localidade principal de atuação.

O Edital aTUAção PerifaSul, por exemplo, reúne em eventos e oficinas representantes de dezenas de iniciativas com diferentes focos de atuação que se conectam, trocam ideias, experiências, recursos e muitas vezes desenvolvem trabalhos paralelos que sequer imaginaram que poderiam acontecer.

São gestoras de doação e doadores

As fundações são gestoras de doação e doadores, planejando, organizando e recebendo recursos de pessoas físicas e jurídicas que desejam contribuir com o território e toda sua pluralidade; seja em iniciativas, campanhas emergenciais, temática específicas ou com um olhar mais integrado, investindo no território e tudo que ele representa.

A campanha Pandemia Sem Fome, organizada pela Fundação ABH e seus parceiros, recebeu milhares de doações que contribuíram para minimizar o sofrimento de famílias em situação de vulnerabilidade social durante o auge da pandemia de Covid-19.

Criam fundos temáticos e fundos patrimoniais

As fundações buscam a construção de fundos temáticos e fundos patrimoniais para garantir perenidade de investimento no território. Os fundos temáticos são carteiras criadas para investimentos em tendências e temas específicos da sociedade, como tecnologia, saúde, sustentabilidade, comportamento, entre outros.

De acordo com Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), “os fundos patrimoniais ou fundos filantrópicos São estruturas destinadas a realizar a gestão de um conjunto de ativos formado por doações filantrópicas, cuja aplicação financeira gera recursos para apoiar causas de interesse público, como a educação, a saúde, a cultura e o meio ambiente”.

Sua governança tem membros do território em sua composição

As fundações comunitárias em sua governança contam com membros do território onde atuam em sua composição. Ter alguém que vive diariamente a realidade do local em que a organização atua contribui para que esta tenha um olhar mais apurado sobre as demandas, potenciais e dificuldades do território e, consequentemente, uma melhor estratégia de como e onde investir seus recursos.  

Abaixo, trazemos um infográfico do IDIS que resume os princípios que permeiam os processos de um instituto ou fundação comunitária:

Reprodução/IDIS

Reprodução/IDIS

Valores que caracterizam os Institutos e Fundações Comunitárias

Os institutos e fundações comunitárias têm como principais valores o protagonismo comunitário; a defesa dos valores democráticos; transparência; práticas sustentáveis e atuação em rede.

No infográfico do IDIS abaixo explica um pouco mais sobre cada um desses valores que definem a essência dos institutos e fundações comunitária:

Reprodução/IDIS

Reprodução/IDIS

Na segunda parte da série Fundações Comunitárias vamos conhecer os desafios que as instituições brasileiras, inspiradas no conceito de fundações comunitárias, precisam enfrentar para seguirem atuando nas comunidades do país.