Impacto socioambiental das agroflorestas na periferia sul de São Paulo

Caro leitor, começo esse texto com um questionamento: Você sabe o significado ou já ouviu falar sobre Agrofloresta ou Sistema Agroflorestal?

Buscamos esse tema justamente por “questões ambientais” ser uma das prioridades levantadas pelos atores locais no PerifaSul 2050, uma iniciativa que tem o objetivo de discutir, juntamente com os atores locais, quais são as temáticas prioritárias que merecem ser trabalhadas com destaque até 2050 na periferia sul de São Paulo.

Durante os próximos meses, iremos trazer outros assuntos que foram levantados como prioritários pelo PerifaSul 2050, porém, que ainda não possuem um GT (Grupo de Trabalho) para trabalhar a temática. 

Agrofloresta no Brasil

O termo Agrofloresta ou Sistema Agroflorestal (SAF) surgiu em 1977 com a ampliação do estudo agrícola e florestal em propriedades rurais. Os SAFs são sistemas de uso da terra em que árvores interagem com cultivos agrícolas e/ou animais, simultânea ou sequencialmente, de modo a aumentar a produtividade total de plantas e animais de forma sustentável.

Achou confuso? Calma, que iremos te ajudar a entender. De forma direta e resumida, a agrofloresta nada mais é do que produzir alimento em meio a floresta, fazendo da floresta aliada e assim preservando o meio ambiente. É uma forma de uso do solo que combina, em uma mesma área e tempo, o cultivo de espécies arbóreas ou arbustivas, frutíferas, madeiráveis ou adubadoras.

A introdução dos quintais agroflorestais por imigrantes vindos de Açores que reproduziram a estrutura e manejo lá implantados, ocorreu em meados de 1740 no nosso país, mas o debate sobre agriculturas alternativas teve um desenvolvimento intenso somente a partir da década de 1980, impulsionado por estudantes e profissionais das ciências agrárias e por movimentos sociais do campo como Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e Movimento das Mulheres Camponesas (MMC).

Historicamente falando, os SAFs são usados no Brasil para algumas culturas como o cacau e o café. A aplicação do sombreamento (técnica que tem como finalidade deixar passar o ar, a umidade, mas amenizar a entrada da luz solar diariamente) era muito usada desde o final do século XIX como forma de proteção contra os fatores climáticos nas plantações de café.

O cacau tem a sua mais representativa experiência de cultivo no Brasil sob o sistema “cabruca” implementado há mais de 200 anos no sul baiano. A Cabruca é uma forma de cultivar cacaueiros no meio da Mata Atlântica, por meio de manejo ecológico de sistemas agroflorestais, diversificando a área de atuação e aumentando a sustentabilidade da produção.

Quem se saiu muito bem com a plantação de cacau, utilizando a técnica da Agrofloresta, foi Ernst Götsch, agricultor e pesquisador formado em ciência genética. Ernst mudou-se para Piraí do Norte (BA) em 1982 e transformou centenas de hectares de terras, antes consideradas impróprias para o cultivo, em terra fértil através da técnica da agrofloresta. Lá ele reverteu a degradação dos solos e estabeleceu a plantação de cacau na fazenda, hoje considerado o melhor cacau produzido no Brasil. Além da recuperação do solo e cultivo de qualidade, com a técnica do SAF, Ernst recuperou nascentes de rios no local.

Fazenda de Ernst Götsch Antes e Depois (Reprodução/Facebook)

Fazenda de Ernst Götsch Antes e Depois (Reprodução/Facebook)

 

A Agrofloresta na Periferia Sul de São Paulo

Entrevistamos a fundadora de uma Agrofloresta e gestora de projetos socioambientais, Joyce de Jesus, que realiza um trabalho extremamente necessário para a população como um todo, mas em especial para a da periferia sul de São Paulo.

Joyce e seu parceiro, Robert, fundaram em 2018 a Enjoy Orgânicos, um delivery de alimentos orgânicos para atender prioritariamente a periferia sul de São Paulo. O Delivery colabora com o escoamento da produção de orgânicos de Parelheiros (Polo da agricultura orgânica), comercializando alimentos produzidos pela agricultura familiar, em especial agricultoras mulheres, onde são beneficiadas por uma remuneração mais justa por ter uma relação mais próxima com o consumidor final.

Insatisfeitos por não atender todos os recortes sociais de famílias da comunidade com o projeto de delivery, eles criaram o Quebrada Orgânica, um negócio de impacto socioambiental na “quebrada” que composta resíduos, cria hortas e ações artístico-culturais. O projeto inicialmente oferecia auxílio para criação de uma horta, com compostagem, oficinas e consultoria para as casas da comunidade. No entanto, eles perceberam que existiam famílias que não tinham o que compostar e foi aí então que começaram a moldar o Quebrada Orgânica.

Em 2020 receberam uma premiação que os permitiu produzir orgânicos em maior escala e, no início de 2022, começaram sua Agrofloresta em uma área localizada entre Ibiúna e Piedade, no interior de São Paulo. “Somos agrofloresta urbana e agrofloresta rural, ambas com a missão de nutrir a periferia”, cita Joyce.

“Os benefícios de fazer o que fazemos são muito potentes, ao mesmo tempo em que produzimos alimentos para quem mais precisa, estamos alinhados com a visão de futuro de comunidades sustentáveis, de produção e consumo responsáveis, e claro, dessa forma, atuamos diretamente no impacto positivo em relação a preservação do meio ambiente”, afirma a fundadora.

Até o momento mais de 300 famílias já foram alcançadas com todas as ações do Quebrada Orgânica, além da produção de 522 kg de alimentos em 18 meses. Os alimentos são doados, em grande parte, para famílias da periferia sul de São Paulo, na região de M’Boi Mirim.

O Quebrada Orgânica produz alimentos, realiza doações para famílias vulneráveis a partir de sua agrofloresta, pratica vivências urbano rurais, faz consultorias em sistemas de compostagem, produz festivais, além de cultivar hortas.

Dois festivais já foram realizados em formas de expressão artística, gastronômica e cultural. A segunda edição foi realizada no final de abril de 2022 e, além da programação musical nos festivais, Robert, parceiro de Joyce, ensinou receitas nutritivas com alimentos orgânicos em prol de uma alimentação saudável, equilibrada e acessível. Um exemplo de receita que podemos citar é a adaptação do bacalhau comum que já conhecemos, para o “jacalhau” substituído por carne de jaca.

Os mitos e verdades acerca do assunto? 

Joyce afirmou que o primeiro mito com que se depararam foi o de que precisariam de uma grande terra para ter uma agrofloresta. “Derrubamos de cara esse mito com nossa agrofloresta urbana”. 

Em relação à verdade, ela diz que “quando você começa, tudo à sua volta se move, a terra responde e o universo conspira.” 

O Quebrada Orgânica está apenas no início da sua jornada na Agrofloresta, mas já estão animados com os resultados observados e coletados. A periferia sul de São Paulo tem um imenso potencial para projetos similares, que valorizam o meio ambiente ao mesmo tempo que produzem alimentos. Vida longa ao projeto!

Gostou do assunto que escolhemos para discussão deste mês? Fique ligado, que nos próximos posts buscaremos outras pautas importantes do PerifaSul 2050 que contribuem com o desenvolvimento comunitário local para aprofundarmos aqui.